Páginas

sábado, 30 de novembro de 2013

A "casa de Lisboa"

e a salinha onde Sofia prefere estar...

Revendo, vou encontrando estas coisas... que trapalhada de sala, nada como a imagem maravilhosa!


https://www.pinterest.com/lynnwhite58/opulent-interiors/
     A casa de Lisboa, que fora dos pais no início do casamento e à qual tinham regressado depois de tantos anos, estava cheia dos restos da sua vida. Tinha uma excelente localização, muito perto do Jardim da Estrela, era elegante e confortável, mas as três salas, uma convertida em escritório para o pai, e os quatro quartos eram insignificantes, quando comparados com as dimensões do chalet. As coisas sem as quais a mãe “não podia viver”, somadas às que realmente tinha sido necessário trazer, e ao que já existia na casa, tinham-na deixado atravancada, ao ponto de parecer que, por excesso decorativo, podia explodir a qualquer momento. Naquela salinha, mais pequena do que o seu quarto em Sintra, estavam objectos novos e antigos, amontoados sem nexo nem ordem. Nada dava com nada. A mãe mandara ali enfiar as três mesinhas pé-de-galo do estúdio do pai, muito antigas, e o canapé de veludo azul da sala dos bordados. Chocava violentamente com os tons granada e verde do cadeirão antiquado, que já lá estava e não podia ser reformado porque “era o favorito da avó”. Também havia a credência de estilo oriental que, em Sintra, costumava enfeitar o átrio dos quartos, com o seu horrível tampo em mármore verde e os embutidos dourados, e uma meia dúzia de candeeiros de diferentes tamanhos e formatos provenientes de diferentes épocas e partes do chalet. Nas estantes, as pequenas peças de prata, de madrepérola ou de madeira, caixinhas, cinzeiros e outras coisinhas sem propósito, tomavam o lugar dos seus preciosos livros. E as paredes! As paredes! Mal se via o brocado acetinado que as revestia, cobertas como estavam com uma multitude de quadros, de estilos tão diversos que incluiam uma Josefa de Óbidos e um Silva Porto, um Turner valioso, o favorito de Sofia, e uma dúzia de retratos de antepassados da família, metade dos quais, na sua opinião, nunca deveriam ter-se deixado retratar.
Não admira que a mãe nunca cá entre, considerou. Isto é uma sala de arrumos! Por vezes, até Sofia se sentia confusa lá dentro, embora, na verdade, fosse a sua divisão preferida, com o sol a entrar a rodos a refletir-se na profusão desorganizada de cores e brilhos. Quando ali estava, sentia-se num mundo aparte, mágico, sem o terrível espartilho das regras pelas quais vivia todas as outras horas da sua vida.

(O Cavalheiro Inglês, em revisão)

Sem comentários: