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domingo, 1 de dezembro de 2013

Em Chamas - lá fomos

Ultimamente, contam-se pelos dedos das mãos as vezes que vou ao cinema. Não há uma explicação, a não ser a de que o pessoal cá em casa não concorda sobre os filmes a ver, o outro adulto prefere não ir, e eu não gosto de ir sozinha.

Desta vez, levei o rapaz de onze anos, a rapariga de catorze e outra rapariga de catorze, e vimos o filme na segunda fila de um cinema cheio até ao limite - essencialmente de jovens, com meia dúzia de adultos a compor o ramalhete. Batam-me, mas parte de mim nunca chegou a crescer, e fico feliz por isso. Ainda o filme não começara e eu e o rapaz já tinhamos mais dois combinados (um, O Hobbit, há de ser empresa familiar de Natal). 


(Ai, ai. Reli o texto no fim e desculpem, desculpem o mau português e os argumentos mal amanhados. Sei o que quero dizer, mas estou terrivelmente lenta e sem vontade. Noutro dia explico-me melhor) 

Começo por dizer que não li os livros. Não sei se os filmes são melhores ou piores. Tinha visto o primeiro filme, e, embora me tivesse divertido, como quase sempre quando a acção é animada, o filme não me disse nada. Achei interessante a construção da utopia, mas superficial, e os jogos em si pareceram-me um pouco batidos, cheguei a adivinhar quem fazia o quê e o que acontecia, mais pormenor, menos pormenor. Não é bom neste tipo de filme. 

Neste filme, achei que a ideia tinha amadurecido um pouco, o que nem sempre acontece de um primeiro para um segundo filme - por vezes é mais do mesmo, ou mais aborrecido. No filme anterior, pareceu-me que cada parte se arrastava, que houve demasiado de cada uma. Desta vez não tanto, embora o filme seja longo e regressemos aos jogos. Foram mais interessantes e menos previsíveis, ainda que me fosse possível (lembrem-se de que não li) adivinhar algumas das relações que depois se confirmaram. Talvez seja mais interessante por se tratar menos de uma questão de "uns contra os outros",  e haver um inimigo comum, etc. 

Não vou alongar-me, não me apetece. Refiro apenas que já hoje, no facebook, o João Barreiros fez referência a este artigo na Locus, que apresenta um ponto de vista interessante, apontando sobretudo as armas à personagem central. 

Diz, por exemplo, acerca de Katniss:

"She is the film’s heroine, its idealized role model for today’s youth, and she is conveying three messages to her young fans:
1. Your society is unfair and corrupt.

2. You can’t, and shouldn’t, do anything about it.

3. If you’re lucky, however, somebody else will do something about it, and then everything will be fine.

And this hardly constitutes a manifesto for revolution."
Entendo a perspectiva, mas não concordo. O primeiro ponto é indiscutível, claro, embora talvez não da forma que a autora do artigo apresenta. Não vejo aqui uma metáfora de uma sociedade dividida entre adultos e jovens, com os jovens a querer aceder ao que os adultos já têm. Não entendo sequer essa perspectiva, sobretudo neste segundo filme, em que as barreiras entre jovens e adultos se esbatem grandemente. A história parece-me, aliás, pouco subtil na sua metáfora (que nem chega a sê-lo) dividindo o mundo entre dominantes e dominados, pobres e ricos, com diferentes graus de pobreza. Não é o que já vamos tendo? Se há uma falha a apontar, é essa, a falta de subtileza no pressuposto central da história.

Fala o artigo de uma heroina que o é pouco, passiva ou amedrontada. Até certo ponto, é verdade, o medo é qum elemento poderoso aqui. Mas e se a Katniss fosse o protótipo da heroína revolucionária? Não se encontrariam outros aspectos a apontar, como... talvez... ser cliché? Ou agir de forma improvável, para uma menina de 17 anos, do mais pobre de todos os distritos, ensinada a sobreviver e a ter medo? Ou outra coisa qualquer? Tanto se pode encontrar, quando se procura! Consegue-se ver quase tudo o que se quiser. 

Eu também vou escolher.

A personagem, que se mete nisto para proteger a irmã, mais nova e mais indefesa (a sua coragem é esta, íntima, pequena, como a de quase todos nós), faz escolhas que não nos agradam, mas são naturais, algumas movidas pelo medo, muitas semelhantes às que também nós talvez fizessemos, se ameaçassem os que amamos. Eu sei que, se a vida dos meus filhos estivesse em perigo, eles viriam sempre primeiro, a qualquer custo. Creio que, nisto, talvez a noção americana de heroícidade tenha influenciado a autora do artigo, que desejaria ver a personagem mais voluntariosa. Eu, pelo contrário, compreendo-a, e parece-me uma heroína adequada: uma que mostra que se pode crescer e evoluir, que se tem direito ao medo quando a situação é temível, mas que este se pode ultrapassar, que, mais cedo ou mais tarde, temos que tomar decisões, etc, etc. Aqui estou eu, a ver o que quero.   

O ponto 3 afirma que "outros fazem por ela e tudo fica bem". Podia ser. Só que no fim deste segundo filme nada está bem, e a personagem entende que a culpa é sua, em parte, por ter sido o motor, sem compreender que, numa sociedade esgotada, outro qualquer com um gesto de coragem teria tido o mesmo efeito. É uma visão limitada, a dela? Sim. Mas tem medo, e o medo prende, tolhe, ensombra. Há muita gente morta, gente desaparecia. Este último ponto não faz sentido para já, quando tanto continua mal. Fará no fim da história? Não sei. Vou ler para descobrir.

Não é, de forma nenhuma, uma maravilhosa e profunda distopia. É uma distopia para jovens, com alguns aspectos terrivelmente esteriotipados (o que talvez faça sentido e seja até propositado, porque aparte desta sociedade está construída sobre a artificialidade). Mas foi um filme interessante que vi sem nenhum aborrecimento e até com bastante satisfação. Deixou-me suficientemente curiosa (e sim, aderi à personagem central por ser humana e ter falhas) para ler o último livro, quando não li nenhum dos outros. Aborrece-me a ideia, agora ma moda, de fazerem render dividindo o último livro em dois filmes. 

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