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sábado, 3 de maio de 2014

O Clube Dumas - Arturo Pérez-Reverte

Vamos lá tentar uma opinião, coisa a que me venho escusando aqui no blogue, para mais em dia sem inspiração.

Esta semana vi um filme que homenageava as artes e se debruçava, de certa forma, sobre o acto da criação literária. E fílmica, claro, e pictórica em geral. Refiro-me a Grande Hotel Budapeste. Ao mesmo tempo lia, e agora terminei, O Clube Dumas, livro de Peréz-Reverte que homenageia a criação literária, e em especial a literatura popular, de aventuras, detectivesca, de mistério e até gótica, que, nos seus primórdios, foi considerada como literatura destinada apenas a excitar os animos frágeis das mulheres.

A intriga deste O Clube Dumas brinca com os enredos complexos e convolutos destas histórias populares mas intemporais, com os seus mistérios e reviravoltas, tomando como princípio uma possível relação entre um aparente suícidio... ou não, um dos capítulos do manuscrito original de Os Três Mosqueteiros e o livro As Nove Portas (ou 3 cópias dele) de supostas características demoníacas, que terá levado à fogueira o seu autor. O protagonista, um negociante de livros e "buscador" de edições raras, procura provar ou negar a autenticidade de um e outro(s), mas conforme se vai envolvendo e os acontecimentos se vão dando, mortes e acidentes, e perante a persistente presença de personagens que... Não, não desvendo. Digo apenas que parece coincidência mas se calhar não é. Ou se calhar não parece, mas é. Ou é enredo e parece real... ou real e parece enredo. Confuso? É ler.

O texto é recheado de referências literárias, as mais frequentes a Dumas, claro, e a Conan Doyle, que imprimem, por associação, um cunho de aventura e mistério à história. Surgem ou são mencionados textos de diferentes épocas e géneros, há citações, personagens que assumem as "personalidades" de vilões dos Mosqueteiros, e os próprios códigos narrativos remetem para a literatura popular. Para quem ama os livros, é muito interessante, e é sobretudo interessante compreender a benévola piscadela de olho ao género. Não falta sequer uma passagem pela romântica e misteriosa Sintra e uma insinuação de realismo mágico, em forma muito gótica, no que diz respeito à figura atraente e feminina do demónio. Não o tornam difícil de ler. A presença de gravuras - as gravuras repetidas em  três livros que estão no centro do mistério - até me deixou, como nos passatempos, à procura das diferenças. A mim e ao protagonista, do qual, previno, é difícil gostar. As personagens não são simples nem apelativas, no geral, e no entanto, segui com gosto a "aventura" e li, sem dar por ela, às 50 e 100 páginas de cada vez...

Diverti-me mais com A Tábua da Flandres, mesmo sem saber nada sobre xadrez e do final não me ter surpreendido. Mas em ambos os enganos e fingimentos e as voltas da narrativa me divertiram, que é o que, segundo um das personagens deste livro, importa. Neste caso, a quem lê. 

Raramente recolho citações. Estas não iluminam, são apenas lógicas, mas resumem bem o que é. E o que não é. 

"... Ouça, Corso: já não há leitores inocentes. Perante um texto, cada um põe em jogo a sua própria pervesidade. Um leitor é aquilo que leu antes mais o cinema e a televisão que viu. À informação fornecida pelo autor acrescentará sempre a sua própria informação. E o perigo reside aí..." 
(pág 377)

"É curioso o hábio de adiar tudo para o fim, como o último acto numa tragédia... Cada um arrasta a sua própria condenação desde o princípio. Quanto ao Diabo, não passa da dor de Deus; a cólera de um ditador apanhado na sua própria armadilha. A história contada do lado dos vencedores." 
(pág 387)

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