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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O Relatório de Brodeck, de Philippe Claudel, a Segunda Guerra no Verão

Pois é. Já o tinha dito noutro post, pela segunda vez me vi à beira da piscina a ler sobre campos de concentração. É um estranho contraste.

O Relatório de BrodeckNo ano passado, escolhi o livro (A Centelha da Vida) sabendo ao que ia. Adorei.

Este ano, já tinha começado o livro quando o levei de férias, mas, ao iniciar, ainda em casa, não tinha ideia nenhuma do que ia ler. Não passei os olhos pela sinopse - cada vez o faço menos, quando sei que vou ler de qualquer forma. 

O Relatório de Brodeck não se passa num campo de concentração, durante a guerra, mas numa aldeia isolada junto à fronteira alemã (calculei que fosse talvez na Áustria, embora nunca seja especificado), que esteve ocupada durante a guerra e sofre as consequências disso. 

Brodeck, o escrivão, é encarregue de escrever um relatório terrível - o de um crime cometido pelo conjunto dos homens da aldeia. Ele não participou e sente, desde o início, que o relatório é uma rede para prendê-lo, mas não tem como recusar. Ao mesmo tempo, vai redigindo outro texto, o do livro que lemos, que nos vai revelando, em avanços e recuos, a sua história, a sua passagem pelo campo de concentração (certos excertos tiraram-me a respiração e são os meus favoritos), a história recente da aldeia, a da chegada do Anderer, o homem assassinado, e do como se foi construindo a situação que leva ao crime. 

Deste livro, muitíssimo bem escrito, tiro sobretudo a lição do medo. Não tanto o medo no campo de concentração, esse que leva um homem a morrer de pé, após uma só palavra proferida, o mesmo que se deixa entranhar do instinto de sobrevivência e cria o Cão Brodeck. Esse é terrível, mas expectável, Calo-me. Leiam. 

É  na aldeia que ele me impressiona. Nada já os ameaça, os soldados partiram, a guerra terminou, e no entanto os tentáculos do medo continuam a prender os aldeãos. Esse pavor é uma coisa calada e insidiosa, invisível, mas cria ódios e desconfianças, deforma as mentes e os corações, deturpa a percepção dos actos próprios e alheios, eclipsa a moral, conduz os passos de todos até ao crime. Nós, os leitores, não o recebemos todo de uma assentada, mas vemo-lo com cada vez maior clareza, conforme Brodeck vai desenrolando o seu relatório pessoal, aquele que a aldeia não pode conhecer.

É excelente, este livro, ainda que de quando em quando me tenha apanhado a dizer "Claro, já sabia que ia acontecer / tinha acontecido." Nem todos os textos vivem da imprevisibilidade, nalguns é necessário que as coisas sejam simplesmente o que são, para que façam sentido. Ou talvez seja a minha perspectiva de escritora, sempre a pensar em como é que eu faria isto, como é que eu resolveria esta questão, que seria necessário para justiticar esta atitude. A mestria está em como contar a mesma história, uma história como outras, de forma única, com voz própria, com interesse para quem lê, a acrescentar qualquer coisa pessoal ao que já existe.  

 Em conclusão, este ano, li o livro (O Relatório de Brodeck) sem saber ao que ia. Adorei.

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