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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

No Porto, por onde andou Sofia


No Sábado, dia 31, subi da Ribeira do Porto mais uma vez, sob um sol maravilhoso. Meti pelo mesmo arco que imaginei para Sofia Silva Andrade e Robert Clarke, há mais de dois anos, e, como ela, trepei as Escadas do Barredo, parei no Largo do Terreirinho e prossegui pela Rua do Barredo, até me desenredar dessas ruas que foram outrora uma "colmeia", bairro pobre de habitação precária e má construção. Há casas recuperadas, outras nem por isso, mas o lugar continua a ser estreito, íngreme e ancião.


Em O Cavalheiro Inglês, Sofia e Robert andaram ali num dia chuvoso e escuro dos finais de 1892 e Sofia, desesperada para encontrar o irmão, tinha medo e frio. Nestas ruas estreitas, imaginei um Inverno agreste, de águas lamacenta e fétidas correndo rua abaixo, enegrecidas pela porcaria, pelos dejectos e lá-vai-água. Imaginei os homens encolhidos sob as bátegas, regressando dos seus trabalhos duros e mal pagos ou das tabernas, as escandarias esconsas por trás das pequenas portas, as casas velhas, sem esgotos, apinhadas, avós, pais, netos partilhando duas divisões esquálidas.  Imaginei as brigas do álcool, da pobreza, da ira, as tareias de marido a mulher e vice-versa. Imaginei o frio e a fome, as doenças disseminando-se como fogo em palha,

Imagino ainda, noutros dias de mais sol, como esse em que as subi, as vizinhas trocando coscuvilhices pela janela, onde a roupa estendida quase se tocaria. Imagino-as, velhas e novas, envelhecidas precocemente pela dureza da vida, pelos muitos filhos paridos em poucos anos, sentadas à porta, separando feijão. Imagino namoros à janela, outros nas esquinas escuras. Imagino os bandos de miúdos descendo a correr, para mergulhar no rio, trepando depois, a um chamado da mãe, molhados e felizes. 

Imagino uma vida sem espeaço para questionar a felicidade ou a tragédia de vivê-la assim, com tão pouco. E nisto tudo posso estar errada, porque, mesmo com pesquisa, há margem para erro. 


Um desejo para este ano (o meu quarto, quinto, ou sexto, sei lá, na ingestão das passas): que o próximo livro, O ANO DA  DANÇARINA, este um livro das ruas de Lisboa, algumas como estas, não atrase. E que agrade.



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